quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

Um dia mergulharemos no mistério.
Dele sairemos tão encharcados de muito
quanto enxutos de palavras.
Voltaremos sagrados e silentes,
com olhos de paz eterna.

Se capazes de abismos,
se audazes a ponto de espelhos sem fundo,
de “bexigas sem pele”, “ocos sem beira”
não viveríamos esquecendo que um dia
estaremos diluidos no mistério,
que tudo
nos impele para ele.
Cada dia e todos, como oração inata,
nos preparam
para esse salto em
mais que profunda

água.
Noite morta natimorta:
que já aviso dera o sono de não vir.

Sonhos e pesadelos não serão, sussurou-se.
Não haverá o vôo entre pássaros azuis,
mulheres não mutilarão os dedos,
nem chuva incessante de coloridas contas
ou queda brusca em buraco,
roupa que encolhe
e atraso pra prova.

Será um dia escuro, a noite natimorta.
Será um dia enluarado,
com olhos estalados no teto do quarto,
depois no azulejo do banheiro e
ainda nadando na água do copo.

A noite morta ressuscita prenhe de um
orgasmo prestes a nascer na boca da namorada,
de um velho a dois minutos da morte,
de uma sirene que mergulha no breu
e de um cão que a pescará sempre.

Noite morta natimorta
meu insono te adivinha.
Horizontal é o meu desejo.
Meu abismo é horizontal.
Horizontal a altura que me determina.
Como horizontal é este amor que resiste:
Horizonte e Tao.
Endomingável

por que no domingo a água
tem outra velocidade
e é feriado nacional
em nossas vísceras?
por que no domingo
o amor é mais lento, baldio,
vadiado
e os corpos pesam
10 gramas menos?

por que no domingo
há este insético zumbido
nas retinas?
por que este vazio grávido
de tudo – oco sem beira, espera
do quê, meu deus?

por que nossas mãos ficam
quase cristalinas?
por que a ordem natural pode ser
suspensa e de uma crisálida
irromper um pássaro?
por que as árvores cantam
um tom abaixo?
e os cães latem noutra língua?
e as crianças, cavalgando
desilusões de não ser ainda, calam
desentendimentos?
por que o amor, ósseo, dói como flor
nascendo
sobre o ombro esquerdo
e a vida respinga das páginas
que viramos quando lemos?

não há consolo necessário,
domingo não é preciso.

domingo não é um dia,
apenas mais um dia.

domingo é uma semana,
domingo é a vida inteira


lu cañete + rodrigo madeira
Ela sou eu mais adiante.
Eu sinto, eu sei, eu sonho.
Ela me vê em si já encoberta de novas coisas incompreensíveis pros meus pequenos olhos de esquimó.
Ela caiu de pára-quedas e não pude devolvê-la pro alto.
Ela aterrisou com sua bússola estragada e seus mapas de cabeça para baixo(que inexplicavelmente a levam exatamente aonde deveria chegar), seus vasos úmidos e dezenas de latas arcaicas e não pude evitar.
Às vezes ainda sinto um medo, um estranhamento que cada dia parece menor, mais longínquo.
Ela sabe esse labirinto vegetal no meio da cidadezinha, o que já é quase um código secreto.
Porque também eu me desacreditei, porque também eu me impedi.
Já é época de borboletas e mariposas sairem dos casulos e também nós, de nossos medos.
E também nós.
A primavera não perdoa o desdesabrochar, nos obrigará sempre a florir.