segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

picassismos

Naquela tarde, suspensa entre verão e inverno, havia uma ânsia. Aí surgiu dentro de meu olhar, um entendimento. Pude quase sentir e escutar, no silêncio da casa, a faísca e o estalo da compreensão.
O chá de boldo já adquiria a tonalidade verde-escuro-amargo perfeita para o gole. Sentei-me, o livro de Picasso sobre a mesa. Essa seria a função do dia: folhear Picasso. Ainda sem saber que dele brotariam cúbicas reflexões.
As pessoas desfiguradas ali, os olhos verticais. Pescoços que não sustentavam cabeças, chãos que não construíam retidões. Mas a beleza repousando exata.
Também, de mim, vindo uma lembrança: sempre desconfiei de gente figurativa demais, com cabelos renascentistas, sapatos que luzem, costuras que não desfiam, camisas que não amassam. Ou a ordem excessiva, de estantes de livros novos, de jogo de louça completo combinado com os copos, me assinalando um tipo particular de morte interna. E ainda aquele homem, cuja presença me havia feito experimentar o gosto de ruína e desespero.
Picasso, era então como o provérbio chinês: desconstruía para manter a essência. Banal, comum o lugar, mas assim, assim era. Mesmo do violão desconectando planos conseguimos imaginar a música de uma chuva tórrida sobre suas cordas não-paralelas. A desconstrução do visível para mostrar, o que , num descuido, desenxergamos.



A minha vontade de só falar tão silêncio,que mais baixo não se escute. Mergulho nas bolinhas da piscina e me diluo. Porque tudo corre enquanto eu: socorro! Me desintegro na massa oca do dia, ontem nada pesa. Nem há cheiro, dor ou textura no cotidiano chapado , impresso e vendido diariamente. Neste business building não há sótãos onde se ler história sem fim comendo uma maçã. Formigando o salário no fim de mês, diluída na multidão de escarpins e terninhos, escovas, crachás e promoções...haverá vida depois do capitalismo?

Isla Negra

As ondas do mar tramam
uma rede que nada pesca.

Tecem e
destecem,
Retecem,
tecem
a efêmera renda
que de alvura
tudo cobre,
nada segura.

Toda sobre,
por invisível mão
lançada.

Língua de rendada água,
que lambe o sal e não se salga
ou de Sísifo uma lembrança,
a agarrar o que eternamente lhe escapa?

Tessitura incessante, insone
que se faz e refaz,
toda uma, a mesma
sempre e nunca.

Envolve e não retém
o que pra
sempre vem
e
sempre vai.