quarta-feira, 1 de março de 2017

Lavo a louça.
Pela janela,
vem súbito o desejo de ver algo voando.
Algo que não voa.

E o desejo em si é tão violento,
e imenso, que ainda que nada voe

me basta.

domingo, 17 de junho de 2012

Só se...

Tá tudo sem nada:
bexiga sem pele,
buraco sem beira,

Tá tão silêncio.

Nesta manhã:
nenhum afã.
No meio da tarde e
nada arde.
Já veio a noite,
nem um açoite.

Que medo
de tanto
sossêgo.

Poema pra anas

O que é ver uma
filha inerte?
O que é um mãe
à procura das sandálias
da menina?
A pequena
esperando à porta,
desenxuta
e, no detalhe:
a mãozinha delicada
num trinco de metal.
O que é esse clarão
que eu quase também vejo
no meio da sala, da casa,
no meio do mundo,
da tempestade?
O que é um homem
que instala um pararraio
e não o aterra?

-O que é, senão,
a mão pesada
de Deus a dar lições?-

Ana que deita
pra sempre na frente
dos todos irmãos,
recém banhados.

Nem há coração
pra ouvir
tanta chuva.

O que é,
quando vem,
esse erro,
esse raio,
que não volta atrás?
Que atravessa,
num egoísmo
de destino,
o destino
de todos?

Nem sei,
nunca sabemos,
vejo que existe pelo seu
odor de enxofre
e porque dele resta
uma mãe
que em dia de tempestade
larga tudo,
senta num banquinho,
calça sandálias de borracha,
junta as pernas e
se encurva.

até
que
volte
o sol.


terça-feira, 17 de janeiro de 2012

inson(h)e

para Eric

Um homem dorme um sonho.
Um homem dorme um sonho que desabrocha.
Um homem dorme um sonho que desabrocha um pesadelo.

Desperta. Sua frio. Sente medo.

Este homem já não dorme um sonho.
Este homem já não dorme um sonho e o sonho que não dorme
não desabrocha nem há dentro pesadelo algum.

Este homem, há 15 anos, sonha um escuro caroço que não se abre.

Mas com que pálpebras descansará o coração
de um homem quando já não sonha?

Ou será que, os sonhos, por o terem despertado,
resolveram que não queriam, ao desvelar o homem,
serem lembrados?

sábado, 10 de dezembro de 2011

Alguma coisa me partiu.
E não posso permancer
sobre este
carpete corporativo.

Coisa tal,
impensável,
impesável,
descolorida
e um tanto aromática.

Algo, quase sabor,
entre azedo e anis.
Quitou o que em mim
restava de telúrico.

Bexiga de gás
que escorregasse
de mão desatenta.
Vou , voo.

Como se apenas ar.
Como se umas moléculas
se tivessem expandido
a ponto de me fazer
apenas o espaço entre elas.

Arqueologia poética

Urgente:
preciso me revisitar.

Quanto pesa notar que
existo no que reside sob
(fóssil de mim)
tantas eras pessoais.

Arqueóloga do que sou,
descubro: fui melhor.

Minha juventude
podia ser mestre
do que eu hoje.

A poeta que eu era,
me supera.

Daniel Moreno, un chico muy bueno


Daniel moreno, en Playa Blanca, un chico muy bueno
que vino de Santana. Solo en la arena, se acercó más
y más.
Al partir, me dio la mano para que subiera a la lancha. Con los ojos,
negros como él, vertió la angustia:

-Me van a olvidar... tengo ganas de ir con ustedes.

No le podía subir al barco, tiene madre, padre, hermanos.
Prometí que volvería a recogerlo. Cuando aprenda a leer
una página completa del diario, dije. Prometimos llevarlo
al Mundial de Fútbol.

Daniel, moreno, un chico tan bueno.
Cómo te olvidaremos, si te hicimos la foto esta, preciosa por cierto,
sobre la sombra de nuestra tarde impotente.
Y más que la foto, cómo, si la verdad es que
ahora te llevamos dentro.