quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Entender é mais que amor.

Deve meu coração suspender em sístole

até que diástole.

No silêncio do cardíaco, tantas coisas advinho.

A minha fome constante, só Deus sacia.

Esses labirintos em mim,

as curvas volúpias que meus seios nem.

Um sim, abriria comportas.

Nem pedras, nem dores,

a enchente te carregará entre peixes rosa-vulcão, cascas velhas de siri

E eu, pra sempre: concha do teu molusco.

Terminar um amor como quem abotoa

o peito fosse camisa de pijama.

O dia coube todo nesta frase:

-As coisas nascem e morrem no exato momento em que devem, e isso é estranho.

O dia começado na madrugada fria de maio,

em que, agudo, decobri que

não podia te esquecer porque necessitava nunca ter te conhecido.

Sabe, talvez, morrer a si ou se deixar viver demasiadamente.

Como sustento essa ponte de certezas, se em mim é móvel toda possibilidade de respostas?

Calma e corações em mistérios.

O que me dão e o que me tirarão.

Não desfalecer antes do golpe final. E depois também não.

Encontrem-se oceânos e cruzem-se os caminhantes aquáticos.

Miro a Miró sob a parede da sala.

Sobem desejos guardados em gavetas bem pequenas.

Entre colcha, coxas e concha: meu.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008


Só depois de ti

soube que tinha meu corpo

um límpido som

a emitir.


Depois de tuas palmas sobre mim,

mornas como compressas

soube que me habitava

essa partitura oriental.


Era, antes, como se

sempre me tivessem por piano,

pressionando pretos e brancos

que nem existiam.


Mas, sendo esse instrumento

de cordas frágil, desafinava

sem saber

por que.


Só depois de ti,

o entendimento de que

me tomavam por viola,

me violavam:


enquanto eu, pequeno violino.

domingo, 10 de fevereiro de 2008


Conversa de fim dos tempos



Desocupa-se a vaga ao lado da velhinha mais jovem, a velhinha mais velha no banco de trás ensaia trocar de lugar.

-Espera, espera senão você cai.

A terceira velhinha introduz-se na conversa:

-É mesmo , vou segurar firme, é um perigo...

A primeira velhinha, entre o constragimento e o desabafo, sorri:

-Semana passada eu caí...

O cheiro de tempo pelas minhas narinas a dentro, qualquer coisa de prelúdio emana daqueles corpos enrugados e lentos que só os velhinhos possuem.

A história das coisas bonitas

Um dia, quando já não havia mais lugar para as fábricas, reuniram todas as coisas bonitas no pátio. E com seus pesados machados de mármore negro começaram a destroçar as coisas bonitas. Fazia sol, e as coisas foram reduzidas a pó.

Depois do esforço de muitos dias o suor escorria pelos rostos. Por debaixo das roupas estavam úmidos. E os homens, dentro de si,desejavam um vento que lhes aliviasse o corpo.

Foi aí que começou a soprar o vento de Cândida Erendira. Forte e constante entre os prédios da fábrica, cantava. Os homens se sentiam refrescados. Beijava-lhes o invísivel e o suor ia com ele. Olharam, então, para o lugar onde haviam deixado destruídas as coisas bonitas. E os milhares de grãos de pó já não estavam lá.

Assim foi que as coisas bonitas se espalharam pelo mundo.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

ossatura IV

Ele me sugou até os ossos,

chupou o tutano com aquele asqueroso ruidinho

e quando viu como eram duros de roer

abandonou o esqueleto inteiro

E esquelética deambulo
atrás de dentadura mais resistente
que a ossada que me resta.

Esse ácido urbano

que corrói uns ferros retorcidos dentro de mim

e ardendo essa parte minha entre coração e umbigo.

Desabotoou my belly button pra ele

pra você, pro mundo.

Em casa entro refugiando

meus algodões encharcados de sangue

e essas partes de rosa antigo y rojo que me

deslizam...

Escadas escaladas como se necessário esforço

pra exílio.

Prenhe de mim, prestes a nascer essa filha que eu.

Uma coisa anunciando o desencontro yo/mundo.

Fechando os olhos,

abro as janelas.

Eufeminista

Ele perguntou grave:

- Você é feminista?

Assim olhos de fundo de mar.

Ao que revelou suave:

Quero viver a minha uteralidade.

Ser esse caminhar ritmo inconstante como sendo o natural.

Viver o rir gargalhar gritar da instabilidade policística.

chorar chorar calar

Sem imposta retidão hormonal.

Sem eixo x/y do cartesiano masculino.

O sentimento desobstruindo lógicas de estampa de gravata.

Chego ao endereço sem mapa, porque nasci com a bússola por dentro.

Deixa eu domar cabelos e emoldurar sorrisos em troca da tua cara de

satisfação na porta.

Quero mergulhar água de ervas e te esperar desmaiada em besteiras românticas.

Deixa eu falar voz de menos de um grama, assim leve

quase sussurro sempre.

Permita-me, com gentileza, mais alvura, menos peso, menos músculos.

Chorar sozinha na janela enquanto me faço em bolo de teu preferimento.

Deixa eu ler Adélia Prado e a igualdade dos sexos abandonando-me.

- desabafou peso de mundo lastimando ovários.


Série Aquosa

I

hoje abracei o filtro pensando em você

e me afoguei no gole d’água

tamanha era a minha sede.

II

Transbordando

incontível amor

que em mim-compartimento

Empresta um corpo

o teu,

pra sangria desse amor sobre.

III

Minha cabotagem diária

encurtados oceanos

mas inestancáveis águas

em íntimas comportas.